O Coliseu Avenida

Coliseu AvenidaE eis que se cantam parabenizações e cânticos sagrados por detrás do pano: faltam quatro primaveras para o centenário! A cortina abriu-se pela primeira vez numa quinta-feira, aos dez dias de Maio de 1917, e na altura não era micaelense, fora baptizado de Coliseu Avenida.

Naquele dia inaugurador, o navio italiano de 78 toneladas “Leone XIII” conheceu o fundo do Mediterrâneo, afundado pelo U-Boat UC 35; nos Açores, um submarino alemão atacaria São Miguel dois meses depois, levando uma vida, semeando o pânico e levantando o alvoroço militar na região. Decorria a Primeira Guerra Mundial há quase 3 anos, e apesar das rezas para que acabasse depressa, ninguém apostava que o seu fim chegasse ano e meio depois. Naquele ano de russas revoluções, também a ousada dançarina Mata Hari fora presa em França: acusada, julgada e fuzilada por espionagem dupla, embora ainda faltasse muito para rodarem os filmes da história dela; não havia DVD e nem sequer VHS: quem quisesse cinema tinha mesmo que meter a sola no chão e ir aos recintos — mesmo que ainda unicamente películas mudas. Em 1917, os livros eram populares em papel, não em formato digital, e o bestseller americano era “Mr. Britling Sees It Through”, de H. G. Wells, apesar de Karl Adolph Gjellerup ter arrecadado o Nobel da Literatura. Foi um ano fértil: baptizou-se o fecho éclair de “zipper”, inventou-se o verniz das unhas, o aquecedor de água eléctrico e o interruptor com comutador. A “Converse Rubber Company of Massachusetts” lançou as All Star, e o basquetebolista Charles “Chuck” Taylor deu a sua assinatura à marca de sapatilhas.

Presidia a um grupo de micaelenses de gema o Dr. José Maria Raposo do Amaral, que encomendaram o projecto do coliseu ao arquitecto António Ayla Sanches, e foi Pedro de Lima Araújo um dos impulsionadores mais caprichosos da sala de espectáculos açórica. Depois, adquirida em 1950 pela Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, passou a classificar-se como Coliseu Micaelense, e integrou a “Cinaçor”.

Coliseu Antigo

Depois de uma administração imortalizada de aproximadamente quarenta anos por António dos Santos Figueira, iniciou-se a degradação e o abandono que acompanhou a tendência nacional dos teatros circenses: friamente trocados por cineteatros — mas duraram só até ao início deste século até começarem a ser demolidos. Bom, mas este coliseu aguentou-se pelo menos até 2002, quando o município da cidade o adquiriu à Fundação dos Botelhos de Nossa Senhora da Vida e iniciou o projecto de recuperação. A sociedade anónima avançou com os desenhos da Rogério Cavaca Arquitectos e reabilitou o edifício, com reinauguração no primeiro mês de 2005, seguindo-se a digna direcção de José Andrade.

O preciosismo das famosas cadeiras basculantes em madeira maciça, a versatilidade do formato arena à italiana, a sequência de balcões, as linhas exteriores à moda do Coliseu dos Recreios, os interiores requintados como o seu irmão de Lisboa, os apontamentos decorativos em ferro, a cúpula magistral e os círculos concêntricos do logótipo — tal símbolo de Atlântida perdida —, concedem ao coliseu a mística dele próprio, a magia do espectáculo, a reverberação do café-concerto, a fascinação do circo e a paixão dos bailes carnavalescos. Como se não bastasse, o palco é coroado com esculturas de Canto da Maia, e o pano da boca-de-cena pintado por Domingos Rebelo. Sentir o peso daquele estrado debaixo dos pés é arrepiante, principalmente perante uma casa com 1700 lugares. O Coliseu Micaelense não é só o “símbolo de uma geração”, é também a morada do deslumbramento.

Orquestra de Câmara

E foi nesse ambiente que a Orquestra de Câmara de Ponta Delgada, associada ao Programa Cultural Municipal das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, brotou em concerto no foyer. Grigori Spektor dirigiu, e Yuri Pankiv flautou Vivaldi em Fá maior, assinalando o começo da organização das vivacidades da orquestra por parte da Quadrivium.

São momentos históricos para juntar ao riquíssimo repertoire museológico da casa. E sim, também ficam na aurícula!

in Jornal Terra Nostra, 31 de Maio de 2013

Publicado por Pedro Almeida Maia

http://www.almeidamaia.com/

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