Umbigo Micaelense

No momento em que se acendeu a luz verde do semáforo, nem tinha decorrido um microssegundo, irrompeu uma buzinadela enraivecida atrás de mim. Era uma descarga tão obstinada como se aquele espécimen com olhos raiados de sangue só conseguisse comunicar por Código Morse.

Cronicista, o regresso

Crónicas podem ser coisas é o título do texto de abertura que marca o regresso do Cronicista, desta feita para a comunidade “Das Letras”. Nos textos curtos em tom característico de sátira, assuntos banais serão discutidos e ideias serão atiradas ao vento. Se ainda não o fez, não se esqueça de subscrever a newsletter. CliqueContinue a ler “Cronicista, o regresso”

A espera de Edith Piaf

O Pico da Vara é o ponto mais elevado da ilha de São Miguel, onde, em outubro de 1949, uma aeronave Lockheed Constellation da Air France conheceu a sua última morada. Não deixou sobreviventes. O voo deveria fazer escala para reabastecimento no aeroporto de Santa Maria. Antes da hora prevista, o comandante informou estranhamente aContinue a ler “A espera de Edith Piaf”

Ilhéu Conimbricense

Mudança é vida. Fazer as malas e deixar para trás um arquipélago inteiro pode não parecer doloroso, mas as ilhas têm pessoas, e uma parte delas está no meu coração. A rotina diária tem imenso para me ocupar, mas a saudade está sempre presente, como se andasse na rua com um balão amarrado ao dedo,Continue a ler “Ilhéu Conimbricense”

Batéis de Lava

A minha torre de controlo fica do lado dos Mosteiros. A vista é amorosa. Demasiado ventoso, no entanto. Os rebocadores vão na frente, arrastando São Miguel e Santa Maria. Esta manhã, avistei a Terceira e comuniquei com a torre deles. Murmuraram que aquilo era histórico. Li o manifesto de carga, autorizei-o com uma impressão digitalContinue a ler “Batéis de Lava”

Queixume do queixoso

No tempo de Homero a raça humana já era decadente: “hoje a terra só alimenta homens perversos e atrofiados”. Continuamos a não admitir que o estado de espírito da nação está abalado. Cabeças baixas na rua, ineficiência nos postos de trabalho, arrogância nos serviços públicos e desmotivação dos mercados. O queixume é a defesa maisContinue a ler “Queixume do queixoso”

Filipe Frazão em Fast Forward

Há coisas que não se explicam, principalmente as que queremos mesmo explicar. Quando o conheci, ele era o baixista tímido e calado dos Anjos Negros. Tocava as notas certas, acertava no ritmo, agitava a anca moderadamente, mas mantinha-se acanhado, a um canto, quer na sala de ensaios, quer no palco. Pouco mais do que umContinue a ler “Filipe Frazão em Fast Forward”

Confortável maledicência

Apontar defeitos é fácil, difícil é apresentar soluções. A crítica comum recorre à maledicência: qualidade do maledicente, ou maldizente, que tem por hábito difamar. O blasfemador não critica comportamentos nem denuncia práticas ou atividades, atinge diretamente o outro. Em vez de “ele fez isto”, diz “ele é aquilo”. Passa a vida a dizer mal dosContinue a ler “Confortável maledicência”

Tremorização cultural

O ano era o de dois mil e catorze e estávamos com uma dúzia de dias de abril. Era meio da tarde, o Sol a três quartos do arco. Meti o panfleto desdobrável no bolso e seguimos caminho. Parecia que a cidade se tinha inclinado para a baixa e que todas as pessoas tinham deslizadoContinue a ler “Tremorização cultural”

Definindo conceitos crónicos

A definição de crónica provém do Latim chronica e do Grego khroniká. Sugere uma narrativa cronologicamente organizada de factos, embora também se aplique a um texto de estilo jornalístico com cunha pessoal. A liberdade de opinião também é um pressuposto, mas o conceito mais comum é o de narração curta, para imprensa, seja revista ouContinue a ler “Definindo conceitos crónicos”

Crónicas podem ser coisas

Admito que a palavra cronicista não esteja muito dicionarizada, mas como insisto em compilar vocábulos, não há que ter medo. Afinal de contas, as línguas estão sempre em transformação, tirando o Latim e alguns dialetos. Depois do percurso do Pavilhão Auricular, procurei afincadamente formas de expressão que transcendessem as artes. Não é porque as artesContinue a ler “Crónicas podem ser coisas”

El Açor: e vão quinze!

O éfe-erre-á ouviu-se várias vezes naquelas duas primeiras noites de primavera, em alusão ao acrónimo original conimbricense — F-R-A: Frente Revolucionária Académica. Em 1938 o grito tinha índole político, mas agora serve propósitos comemorativos, embora muitos ainda precisassem de um bom chiribitatatata. Foi com espírito revolucionário, mas pacífico, que as tunas invadiram o palco doContinue a ler “El Açor: e vão quinze!”

Mariana, a soberana

A soberania é um conceito difícil de alcançar. Há quem acredite que tal patamar não existe, sequer. Os egípcios falavam em faraós, os gregos em supremos governos, os romanos em imperadores, os plebeus em reis e rainhas, os portugueses em Camões e os açorianos em Pauleta e Nelly Furtado. O poder de um soberano éContinue a ler “Mariana, a soberana”

O filho da Rocha da Relva

Abro a capa cartonada, com o perfil escurecido de um homem iluminado. Revela-se a foto de um lençol de rocha rolada, mar até se perder de vista, e ele de chapéu de palha. Desdobro outra vez e recebo dois presentes: um livro com letras, poemas e um disco compacto esbranquiçado. O tempo do vinyl jáContinue a ler “O filho da Rocha da Relva”

Deolinda = trindade + divindade

A suis generis Ana Bacalhau trazia um vestido às florinhas e uns saltos à maneira, quando pisou o palanque, tal e qual uma fadista tradicional, para receber palmas do lotadíssimo Teatro Micaelense. Minutos antes, os quatro músicos trajados de negro tinham abraçado os instrumentos e arrecadado uma dose de boas-vindas. Instrumentos afinados, sons harmonizados…. Mas,Continue a ler “Deolinda = trindade + divindade”

Haja saúde com lágrimas

— Haja saúde! — disse-me o Luís, à entrada. — Home’, vocês que entrem e estejam à vontade! ­— ele recebia os convidados como se estivesse à porta de sua casa. De certa forma, estava: era “uma casa portuguesa, com certeza”, mas eu diria “uma casa açoriana e não engana”. A casa arcana, a queContinue a ler “Haja saúde com lágrimas”

O júbilo das artes

A Mirateca Arts colocou os Açores no mapa. Será a Vila da Madalena o palco que, de 19 a 30 de Junho, irá receber artistas de todos os cantos do planeta. Este foi um texto escrito acerca da iniciativa “Descobrir Açores”, que agora partilho com os “ouvintes” do Pavilhão Auricular: E eis que se acabaramContinue a ler “O júbilo das artes”

O Coliseu Avenida

E eis que se cantam parabenizações e cânticos sagrados por detrás do pano: faltam quatro primaveras para o centenário! A cortina abriu-se pela primeira vez numa quinta-feira, aos dez dias de Maio de 1917, e na altura não era micaelense, fora baptizado de Coliseu Avenida. Naquele dia inaugurador, o navio italiano de 78 toneladas “LeoneContinue a ler “O Coliseu Avenida”

A brasileira açoriana

Faltava cerca de hora e meia para comemorarmos quarenta anos menos um da passagem do hino histórico de Zeca Afonso “Grândola Vila Morena” na rádio, em sinal de início de revolução, e já o Teatro Micaelense estava revolucionado. Na segunda sessão consecutiva de casa cheia, Adriana da Cunha Calcanhotto subiu ao palco e recebeu oContinue a ler “A brasileira açoriana”

O terceiro coração da Viola da Terra

Fui questionado uma vez acerca da forma como anuncio as datas nos textos das crónicas: “mas, podias escrever a data, pura e simplesmente… para quê escrever ‘vinte dias e mais um’, quando ‘21’ diria o mesmo?” É uma questão pertinente, mas a resposta é simples: convida o leitor a exercitar a mente. Enquanto faz asContinue a ler “O terceiro coração da Viola da Terra”