
Então, o que terá a minha Guitarra Portuguesa em comum com Rui Veloso? O Fado Insulano…. E o que têm os quatro minutos e meio do Fado Insulano em paralelo com um pouco de Rui Veloso? O grande Zeca Medeiros. E a dita guitarra, o que tem a ver com tudo isto? Esteve nas mãos – e nos dedos – do mágico Eduardo Botelho.
Sim, amo a sonância de uma Guitarra Portuguesa, e atirei-me completamente de cabeça quando a vi. Foi amor ao primeiro acorde! Não sou suficientemente digno de a ostentar, e não tanto expedito para a tocar como aprovaria. Fico-me por alguns solfejos tímidos de quem se fica também pela meia dúzia das ditas normais cordas de uma guitarra. Mas não deixo de palpitar com o seu timbre, por isso abracei-me…. à Guitarra Portuguesa. Mas ela agora é especial. É o meu elo à grande música, um marco à mestiçagem perfeita de alguns dos meus ídolos.
E eis que sobe o pano. Paulo Borges enceta com uma simples mas sentida melodia nas oitenta e oito teclas do piano, e mantém-se exemplar, criativo e sentido até ao culminar. Unissonante, entra no palco desta curta-metragem musical, o vertiginoso Jon Luz e a sua viola acústica. Apresenta-nos também o seu criteriosamente tocado cavaquinho, que nos embala numa cadência vacilante.
Mais um pano se abre, agora para a profunda voz insulana do meu estimado José Medeiros, mais célebre por Zeca no seu vasto – e amplo – universo das artes. E aqui está o maior desafio que se me podem colocar: articular por vocábulos a unicidade da sua voz. Mas aceito o repto – com orgulho! Essa voz é…. inenarrável, inexplicável e indescritível! Pronto, e com três adjectivos unívocos, safo-me. Assim, não preciso de explicar como a dicção espectaculosa se alia à sensação e à narração gravemente pulsante; nem como a rouquidão ressaltada nos agudiza, tal conto de fadas acerca dos nossos fados. Melhor descrição, só mesmo o que o próprio escreveu nesta cantiga: “nas vozes de veludo que a noite insinua, vem rasgar, doce falua, meu amargo cancioneiro”. Veludo? Do mais inacessível e raro. Na escrituração e composição maestrina desta obra de arte. Amargo? Talvez no pesar das palavras. Mas se nos tocam, também o somos.

Temos estrelas no céu, ao contrário do que muitos possam dizer. É o inigualável Rui, que de Veloso também o encantam. E o homem que dispensa apresentações, diz que o “meu canto ainda ecoa no cais das descobertas”, e sabemos bem que ele vai bradar muito para além do Porto Côvo. Ainda mais quando proclama que “só meu fado ainda perdura”. Já é eterno. Mas as surpresas por aqui não se deixam ficar.
O meu camarada Eduardo Botelho colocou toda a sua destreza no braço de lenho que guia o rumo dos doze fios reluzentes da minha estimada guitarra portuguesa, e transportou-nos no tempo, para uma mistura das nossas raízes com a contemporaneidade. Faz-nos arrepiar. Se ele já é um homem dos sete ofícios, também é o homem das sete guitarras.
E com Fados, Fantasmas e Folias vos deixo. Deixem-se enfeitiçar com esta gravação que ligou Vale de Lobos a Ponta Delgada. Enamorem-se com o “compasso de lonjura”, nos sobressaltos de viagens em “canoa baleeira”, em esteiras “que querem beijar o Tejo”, e deixem-se ficar prisioneiros.
Eu fiquei. E a cantiga ficou na aurícula!
in Jornal Terra Nostra, 14 de Setembro de 2012
Olá,amigo Zeca!Parabéns,por este trabalho maravilhoso,”Fado insulano”!Obrigado e continua a presentear-nos,com as tuas músicas e a tua voz,muito característica!Um abraço do João Arlindo.